Correção Prova de Filosofia Enem 2023

 O Exame Nacional do Ensino Médio (ENEM) de 2023 proporcionou aos estudantes um rico panorama do pensamento filosófico através de suas questões, englobando uma diversidade de temas que são fundamentais para a compreensão da realidade contemporânea e da história do pensamento humano. Com um total de oito questões dedicadas à filosofia, os candidatos foram convidados a refletir sobre ética, política, metafísica e estética a partir de filósofos como Foucault, os sofistas, Adorno e Horkheimer, Ricoeur, Sartre, Descartes e Merleau-Ponty.

 

Questão 1

A diversão é o prolongamento do trabalho sob o capitalismo tardio. Ela é procurada por quem quer escapar ao processo de trabalho mecanizado para se pôr de novo em condições de enfrentá-lo. Mas, ao mesmo tempo, a mecanização atingiu um tal poderio sobre a pessoa em seu lazer e sobre a sua felicidade, ela determina tão profundamente a fabricação das mercadorias destinadas à diversão que essa pessoa não pode mais perceber outra coisa senão as cópias que reproduzem o próprio processo de trabalho.

ADORNO, T.; HORKHEIMER, M. Dialética do esclarecimento, Rio de Janeiro: Zahar, 1997

No texto, o tempo livre é concebido como

a) consumo de produtos culturais elaborados no mesmo sistema produtivo do capitalismo.
b) forma de realizar as diversas potencialidades da natureza humana.
c)alternativa para equilibrar tensões psicológicas do dia a dia.
d) promoção da satisfação de necessidades artificiais.
e) mecanismo de organização do ócio e do prazer.

 

Análise da questão

 A questão correta é a primeira letra A, pois ela expressa a ideia de que a diversão é uma forma de reproduzir o trabalho alienado e consumir os produtos culturais que são produzidos pelo mesmo sistema capitalista. As outras alternativas não correspondem à visão crítica dos autores, que denunciam a falsa liberdade e a manipulação da indústria cultural.

Lembrando dos seguintes pontos:

- A diversão é o prolongamento do trabalho porque ela não oferece uma experiência autêntica e criativa, mas apenas uma fuga momentânea da rotina.
- A diversão é procurada por quem quer escapar ao processo de trabalho mecanizado, mas não consegue se libertar dele, pois está condicionado pelo sistema que o explora e o domina.
- A mecanização atinge o lazer e a felicidade das pessoas, pois elas são submetidas a um padrão de consumo que as impede de desenvolver sua própria cultura e sua própria crítica.
- As mercadorias destinadas à diversão são cópias que reproduzem o próprio processo de trabalho, pois elas são feitas para entreter e não para educar, para padronizar e não para diversificar, para alienar e não para emancipar.

Questão 2


 

A charge ilustra um anseio presente na sociedade contemporânea, que se caracteriza pela:

a) situação de revolta individual.
b)satisfação de desejos pessoais.
c)participação em ações decisórias.
d)permanência em passividade social.
e)conivência em interesses partidários.

 

Análise da questão

Análise da charge é a seguinte:

A charge utiliza o recurso humorístico da ironia para criticar a ambição desmedida por poder político que caracteriza alguns indivíduos na sociedade contemporânea. Ao retratar uma pessoa que, diante de uma lâmpada mágica, deseja ter o poder de influenciar as decisões e os rumos do país, o autor da charge sugere que esse tipo de aspiração é tão fantasiosa e irreal quanto os poderes sobrenaturais que são atribuídos aos gênios das lâmpadas. Além disso, a charge também pode ser interpretada como uma forma de denunciar a falta de participação política efetiva da população, que muitas vezes se limita a expressar seus desejos e insatisfações sem buscar meios concretos de transformar a realidade. Nesse sentido, a charge revela um contraste entre o ideal e o real, entre o que se quer e o que se faz, entre o sonho e a ação. 

 

Questão 3


Quem se mete pelo caminho do pedido de perdão deve estar pronto a escutar uma palavra de recusa. Entrar na atmosfera do perdão é aceitar medir-se com a possibilidade sempre aberta do imperdoável. Perdão pedido não é perdão a que se tem direito [devido]. É com o preço destas reservas que a grandeza do perdão se manifesta.

RICOEUR, P. O perdão pode curar. Disponível em: www.lusosofia.net. Acesso em: 14 out. 2019.

A reflexão sobre o perdão apresentada no texto encontra fundamento na(s)

a)rejeição particular amparada pelo desejo de poder.
b)decisão subjetiva determinada pela vontade divina.
c)liberdade mitigada pela predestinação do espírito.
d)escolhas humanas definidas pelo conhecimento empírico.
e)relações interpessoais mediadas pela autonomia dos indivíduos.

Análise da questão

A questão correta é a letra E, pois o texto defende que o perdão é uma atitude que envolve a autonomia dos indivíduos, que podem aceitar ou recusar o pedido de perdão. O texto também afirma que o perdão não é um direito, mas uma grandeza que se manifesta na relação entre as pessoas. As outras alternativas não correspondem ao sentido do texto, pois atribuem o perdão a fatores externos aos indivíduos, como o poder, a vontade divina, a predestinação ou o conhecimento empírico.

 

Questão 4

A situação é o sujeito inteiro (ele não é nada a não ser a sua situação) e é também a coisa inteira (nunca há mais nada senão as coisas). É o sujeito a elucidar as coisas pela sua própria superação, se assim quisermos; ou são as coisas a enviar ao sujeito a imagem dele. É a total facticidade, a contingência absoluta do mundo, do meu nascimento, do meu lugar, do meu passado, dos meus redores — e é a minha liberdade sem limites que faz com que haja para mim uma facticidade.

SARTRE, J.-P. O ser e nada: ensaio de ontologia fenomenológica. Petrópolis Vozes, 1997 (adaptado)

A postura determinista adotada pelo personagem Gerineldo contrasta com a ideia existencialista contida no pensamento filosófico de Sartre porque

a)evidencia a manifestação do inconsciente.
b)nega a possibilidade de transcendência.
c)contraria o conhecimento difuso.
d)sustenta a fugacidade da vida.
e)refuta a evolução biológica.

Análise da questão

A alternativa correta é a letra B, que afirma que a postura determinista de Gerineldo nega a possibilidade de transcendência. Segundo Sartre, o existencialismo defende que o ser humano é livre para escolher o seu próprio destino, e que a sua situação é o resultado das suas escolhas e ações. Gerineldo, por outro lado, acredita que o seu destino já está traçado pelo acaso, e que ele não pode mudar a sua condição de servo. Assim, ele se conforma com a sua situação e não busca superá-la ou transformá-la. Essa atitude contraria a ideia de Sartre de que o ser humano é responsável por si mesmo e pelo mundo.

 

Questão5

 A torcida do Fluminense inicia um movimento para mudar a letra de uma das músicas mais populares das arquibancadas tricolores. Grupos pedem a remoção do termo “mulambo imundo”, em uma provocação direta ao Flamengo. Mulambo é um termo que surgiu em Angola, na época da escravatura, e eles eram chamados de mulambos pelos senhores de engenho, os patrões das fazendas.

Disponível em: https://oglobo.globo.com. Acesso em: 23 nov. 2021.

Qual mudança no comportamento social a proposta reportada no texto reflete?

a)Rejeição de costumes elitistas.
b)Repulsão de condutas misóginas.
c)Condenação do preconceito racial.
d)Criminalização de práticas homofóbicas.
e)Contestação do comportamento machista.

Análise da questão

A alternativa correta é a letra C) Condenação do preconceito racial. A proposta de mudar a letra da música que usa o termo "mulambo imundo" reflete uma mudança no comportamento social que busca combater o racismo e a discriminação histórica contra os descendentes de escravos africanos. O termo "mulambo" tem uma origem pejorativa e ofensiva, pois era usado pelos senhores de engenho para se referir aos escravos que vestiam trapos ou roupas rasgadas. Ao pedir a remoção desse termo, a torcida do Fluminense demonstra uma consciência social e uma valorização da diversidade cultural e étnica do Brasil. Essa proposta também pode ser vista como uma forma de respeito ao rival Flamengo, que tem uma grande torcida formada por pessoas negras e mestiças.

Questão 6


A economia das ilegalidades se reestruturou com o desenvolvimento da sociedade capitalista. A ilegalidade dos bens foi separada da ilegalidade dos direitos. Divisão que corresponde a uma oposição de classes, pois, de um lado, ilegalidade mais acessível às classes populares será a do bens-transferência violenta das propriedades; de outro à burguesia, então, se reservará a ilegalidade dos direitos a possibilidade de desviar seus próprios regulamentos e suas próprias leis; e essa grande redistribuição das ilegalidades se traduzirá até por uma especialização dos circuitos judiciários; para as ilegalidades de bens para o roubo – os tribunais ordinários e os castigos; para as ilegalidades de direitos – fraudes, evasões fiscais, operações comerciais irregulares-jurisdições especiais com transações, acomodações, multas atenuadas etc.

FOUCAULT, M. Vigiar e punir: nascimento da prisão. Petrópolis Vozes, 1987.

O texto apresenta uma relação de cálculo político-econômico que caracteriza o poder punitivo por meio da

a)gestão das ilicitudes pelo sistema judicial.
b)aplicação das sanções pelo modelo equânime.
c)supressão dos crimes pela penalização severa.
d)regulamentação dos privilégios pela justiça social.
e)repartição de vantagens pela hierarquização cultural.

 

Análise da questão

A alternativa correta é a letra A) gestão das ilicitudes pelo sistema judicial. O texto de Foucault mostra como o poder punitivo se baseia em uma lógica de controle e diferenciação das ilegalidades, de acordo com os interesses e as classes sociais envolvidas. Assim, as ilegalidades dos bens, praticadas pelos pobres, são reprimidas com mais rigor e violência pelos tribunais ordinários, enquanto as ilegalidades dos direitos, praticadas pelos ricos, são toleradas ou negociadas por jurisdições especiais, que garantem a impunidade ou a redução das penas. Dessa forma, o sistema judicial não é neutro nem equânime, mas sim um instrumento de gestão das ilicitudes que reproduz as desigualdades e as relações de poder na sociedade capitalista. 


Questão 7


Eu poderia concluir que a raiva é um pensamento, que estar com raiva é pensar que alguém é detestável, e que esse pensamento, como todos os outros – assim como Descartes o mostrou -, não poderia residir em nenhum fragmento de matéria. A raiva seria, portanto, espírito. Porém, quando me volto para minha própria experiência da raiva, devo confessar que ela não estava fora do meu corpo, mas inexplicavelmente nele.

MERLEAU-PONTY, M. Quinta conversa: o homem visto de fora. São Paulo: Martins Fontes, 1948 (adaptado).

No que se refere ao problema do corpo, a filosofia cartesiana apresenta-se como contraponto ao entendimento expresso no texto por

a)apresentar uma visão dualista.
b)confirmar uma tese naturalista.
c)demonstrar uma premissa realista.
d)sustentar um argumento idealista.
e)defender uma posição intencionalista.

Análise da questão

A alternativa correta é a letra a), pois a filosofia cartesiana apresenta uma visão dualista que separa o corpo e a mente, a matéria e o espírito, o res extensa e o res cogitans. Segundo Descartes, os pensamentos, as emoções e as sensações são atributos do espírito, que não ocupa espaço nem tem forma. Já o corpo é um objeto extenso, que ocupa espaço e tem forma, mas não pensa nem sente. Para Descartes, o corpo e a mente interagem por meio da glândula pineal, localizada no cérebro.

No texto, o autor contrapõe essa visão dualista ao afirmar que sua experiência da raiva não estava fora do seu corpo, mas nele. Ou seja, ele reconhece que a raiva é uma emoção que envolve tanto o aspecto mental quanto o aspecto físico, que não se pode separar o corpo e a mente como se fossem duas substâncias distintas. Ele segue uma perspectiva fenomenológica, que considera o homem como um ser encarnado, que vive em um mundo concreto e histórico, e não como um sujeito puro que contempla as ideias claras e distintas.


Questão 8


Não tinha outra filosofia. Nem eu. Não digo que a Universidade me não tivesse ensinado alguma; mas eu decorei-lhe só as fórmulas, o vocabulário, o esqueleto. Tratei-a como tratei o latim; embolsei três versos de Virgílio, dois de Horácio, uma dúzia de locuções morais e políticas, para as despesas da conversação. Tratei-os como tratei a história e a jurisprudência. Colhi de todas as coisas a fraseologia, a casca, a ornamentação.

ASSIS, M. Memórias póstumas de Brás Cubas. Belo Horizonte: Autêntica, 1999.

A descrição crítica do personagem de Machado de Assis assemelha-se às características dos sofistas, contestados pelos filósofos gregos da Antiguidade, porque se mostra alinhada à

a)elaboração conceitual de entendimentos.
b)utilização persuasiva do discurso.
c)narração alegórica dos rapsodos.
d)investigação empírica da physis.
e)expressão pictográfica da pólis.


Análise da questão

A alternativa correta é a letra B) utilização persuasiva do discurso. O personagem de Machado de Assis revela que não se interessava pelo conteúdo das disciplinas que estudou na universidade, mas apenas pela forma como elas poderiam lhe servir para impressionar os outros com sua erudição. Ele admite que decorou apenas as fórmulas, o vocabulário e o esqueleto das matérias, sem se aprofundar em seus significados ou aplicações. Essa atitude se assemelha à dos sofistas, que eram mestres da retórica na Grécia Antiga e que ensinavam seus discípulos a usar o discurso de maneira persuasiva, independente da verdade ou da moral. Os sofistas eram criticados pelos filósofos gregos, como Sócrates, Platão e Aristóteles, que defendiam a busca pelo conhecimento verdadeiro e pela virtude.


Mais sobre Filosofia e Enem no canal do Youtube

https://www.youtube.com/@filosofiadacoruja

 

 

 


 

 


 

 

 

Comentários

Postagens mais visitadas deste blog

Resenha do livro Mais Esperto que o Diabo, de Napoleon Hill

A utilização da Filosofia Clínica nas empresas