Paradoxo


O ser humano é ambivalente. Conhecido e estranho, próximo e distante, transparente e opaco. O ser humano canta e protesta, dança e agride, congrega e dispersa. O ser humano é diáfano e indevassável, lúcido e nebuloso, acessível e inabordável. Circula pelas ruas, mas também recolhe-se na intimidade. O ser humano expande-se festivamente e tranca-se amargamente. É lógico e ilógico.

Superação dialética


Pode-se dizer que filosofia é hermenêutica do significado. Interpreta a realidade para compreender-lhe o sentido. A filosofia busca o significado “arqueológico” do ser humano, como quer Michel Foucault. Muitos usam o ser humano em vez de compreendê-lo.
Para compreender o ser humano é preciso vê-lo como processo, como fenômeno em andamento. A visão fixista estratifica o ser humano e mumifica-lhe o real significado. O ser humano pulsa, está em mutação. É cachoeira de decisões. Jamais concluído. Todorov diz lucidamente: “O homem é ser incompletamente determinado, potencialmente bom e potencialmente mau. Tudo é possível. Nada é certo”. O ser humano pode avançar ou recuar, endireitar-se ou entortar-se, afirmar-se ou negar-se. Abriga potencial para construir e para arruinar.
O ser humano é mistura de bem e de mal, de solidariedade e de egoísmo, de afirmação e de negação. É Eros Tânatos, é vida e cinza, é amor e ódio, é justiça e injustiça, é inocência e malícia. O ser humano morre para defender causa justa e mata para salvaguardar interesses injustos. Não é estereotipado. É oscilação. Dança entre ser e não-ser, escorrega entre assumir e fugir.
Há que manter a perspectiva da mistura, e não do dualismo. Costuma-se separar a humanidade entre bons e maus, entre ilibados e culpados. É a falsa dicotomia dos “dois lados”. Do lado de cá, estão os bons e os puros. Do lado de lá, estão os maus e os sujos. Esse dualismo é ingênuo e discriminatório. Os bons olham os maus com superioridade, e os maus olham os bons com náusea. Rigorosamente, não há banda de puros e banda de impuros. Cada ser humano é mistura de bem e de mal, de trigo e de joio, embora a dosagem do bem e do mal possa variar de pessoa para pessoa. Aqui vigora a dialética, e não o dualismo.
O ser humano é protótipo de dialética. Vive a contradição entre o bem e o mal no cerne de sua existência. O confronto dialético não existe apenas entre o bando dos perfeitos e o bando dos malvados. Trava-se sobretudo entre o crescer e o fenecer dentro da pessoa. Há lutas entre grupos e sistemas, mas aqui salientamos o conflito dilacerante entre a força construtiva e a força destrutiva na medula do existir pessoal. No ser humano há potencial ontogenético que gera o ser, e há potencial niiligenético que espalha a devastação do nada. Luta entre ser e não-ser.
Por não estar totalmente determinado, o homem é essencialmente mutável. É Metá-noia, termo grego que significa “mudança” no pensar, no sentir, no agir, no conviver.Metá-noia tem profundo sentido filosófico, psicológico, ético e teológico. É expressão que convida o ser humano a transformar-se para converter o mal em bem, o servilismo em libertação, o ódio em amor, a degeneração em regeneração. Se o ser humano cultivar, dentro de si, a ruína que esfarela a vida, o joio que envenena o trigo, o nada que incinera o crescer, estará precipitando sua própria demolição.
O ser humano desafia a si mesmo. É potencial grandioso em luta com potencial trágico. É dialética antropológica explosiva. Sartre dizia que o homem “está condenado a ser livre”. Acrescentaríamos que o ser humano está condenado a superar-se. A extrair afirmação de sua negatividade, a extrair emancipação de sua dependência, a extrair audácia de sua timidez, a extrair clamor de seu silêncio, a extrair criatividade de sua inércia, a extrair ser de seu nada, a extrair vida de sua agonia. O ser humano responde aos desafios, com a superação dialética.

Aguarde as próximas.....publicações....

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